Olá! Encerrados, agora, meus compromissos acadêmicos maiores, espero, daqui por diante, dar continuidade aos trabalhos do nosso blog. E, para estrear a minha volta, trago um texto pouco conhecido de Leminski. Trata-se do
. Escrito em forma de dicionário, faz parte do extenso encarte do disco
, de Marinho Gallera e Paulo Vítola. Bom, pelo título do disco, acho já deu pra sacar o que o tal "dicionário" se propõe abarcar: Curitiba, a única capital do país que vê neve, uma vez que outra. No dicionário figuram, meio
, personagens, datas, lugares. Por isso não se espantem com a confusa ordem alfabética dos verbetes, está assim mesmo no original.
Entre uma entrada e outra há alguns textos de jornais antigos, que nos dão uma visão mais íntima das Curitibas de outrora. Esses excertos não foram digitalizados, mas vocês podem lê-los através das imagens. ABCuritiba também foi reproduzido no livro Chucrute e Abacaxi com Vinavuste, de Paulo Vítola.
Há, no abc, algumas entradas inusitadas, como CDF, pois não fica muito clara a relação com Curitiba. Será que tem muito CDF em Curitiba? O termo foi criado na capital paranaense?
Texto-homenagem de Leminski a sua cidade natal, está sempre salpicado com uma sacada aqui (“o maior palhaço que essa cidade já riu”), um trocadilho ali, muitos golpes do “samurai malandro”. A linguagem, por vezes rebuscada (“enlevo e arrebatamento”), simula um certo estilo antigo e provincial do linguajar, mas sem deixar o texto pesado, muito pelo contrário, deixa-o ainda mais divertido e irônico (e crítico!). Em breve eu posto o disco Cidade da gente aqui, em que Leminski faz uma ponta de cantor.
ABCuritiba.
Paulo Leminski
Curitiba - A
capital do Paraná deve seu nome tupi ao muito (tiba) pinhão (cury)
que abundava em toda região, até um passado bem recente. Principal
fonte de amino-ácidos dos indígenas da terra, o pinhão era
consumido nas mais diversas formas: cru, cozido, mas principalmente
reduzido a farinha. Os índios recolhiam o pinhão, na estação,
acondicionavam-no em grandes cestos de taquara, que eram imergidos em
algum curso d'água. O pinhão ficava lá até virar papa, quando era
recolhido para extração da polpa e secagem.
A farinha de pinhão
durava o ano todo.
O pinhão desempenhou,
para os índios de Curitiba e do Paraná, o mesmo papel que o trigo
na Europa, a mandioca entre outros índios brasileiros, o arroz no
Extremo Oriente e o milho entre os povos aborígenes da América do
Norte e Central. O nome “cury” é guarani, não exatamente tupi,
só sendo conhecido pelos índios do extremo sul, que, também o
chamavam, apenas, de “ibá” = “fruta”, a fruta por
excelência.
Mil Seiscentos e
Noventa e Três – Em 1668, o rei e a lei chegam a Curitiba, sob
a forma de pelourinho, o tronco de pedra com o brasão de Portugal,
onde escravos e criminosos eram açoitados, à vista do público,
para não haver dúvidas sobre quem mandava.
Em 29 de março de
1693, foi fundada, oficialmente, a Vila de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais de Curitiba.
BR-116 –
Rodovia que liga Curitiba a São Paulo e Porto Alegre; é do outro
lado desta estrada que fica o bairro do Atuba, onde se estabeleceu o
primeiro núcleo de povoadores dos Campos, da Vilinha ou Vila Velha,
ponto extremo do Caminho Itupava.
Caminho Itupava
– Um dos três caminhos que os portugueses abriram entre o litoral
e o planalto, passando pela Serra do Mar; os outros dois são o da
Graciosa e o do Arraial; o Caminho Itupava foi o mais utilizado pelos
exploradores e viajantes dos primeiros tempos da história de
Curitiba; serviu de roteiro para a construção da Estrada de Ferro
que liga Curitiba a Paranaguá.
Batalha do Pente
– Assim foi chamado um distúrbio popular, de homéricas
proporções, ocorrido na Curitiba do início dos anos 60. Ao
contrário do que se poderia pensar, não foi um confronto entre
barbeiros e cabeleireiros. Foi uma depredação das pequenas lojas
sírio-libanesas da Praça Tiradentes, que, aí, mantêm tradicional
comércio barateiro de generalidades, por uma multidão enfurecida de
passantes e fregueses. O estopim da efeméride parece que foi a
queixa do comprador de um pente numa das lojinhas, que achou
excessivamente caro o preço do insignificante objeto. Da queixa à
altercação e desta para as vias de fato, foi um pulo. Junta gente
para assistir à memorável pugna entre o freguês e o dono do
estabelecimento. A imprevisível lógica das massas fez o resto. O
povaréu se solidariza com o freguês. E começa o quebra-quebra. Que
logo se generaliza, em toda a praça. Foi preciso muito cassetete
para serenar os ânimos.
Jaime Monteiro –
Fiscal aposentado do Imposto de Renda, grande praça e emérito
jogador de bilhar dos anos 30/50. Enquanto ele coloca suas bolas 7 na
caçapa, Dona Célia, sua esposa, qual moderna Penélope, o espera,
ansiosa mas pacientemente, no bucólico portão próximo à Pracinha
do Batel.
Adir de Lima –
Professor de desenho e grande ás do ciclismo curitibano dos anos 50,
quando a emoção corria sobre duas rodas, nas ruas de um Curitiba
com poucos carros e muitos espaço para pedalar. Na época, a Praça
Tiradentes era o lugar de chegada das corridas ciclísticas.
Baronesa – Um
dos pioneiros do movimento gay em Curitiba, título que a Baronesa
compartilha como o lendário Oswaldinho, indiscutível rainha da
praça Osório.
Barigui – Um
dos rios que banhavam Curitiba. Muito ouro de aluvião deve ter sido
recolhido nas areias do Barigui, no ciclo do ouro. Nos anos 50, a
garotada ia buscar no Barigui outras riquezas: um mergulho na água
fresca, um passarinho aqui, um cabo de cetra ali, uma varinha pra
raia, todas aquelas coisas que faziam um menino ser menino, nas águas
mansas daqueles tempos.
Tropeiros – Os
grandes condutores de tropas de muares e equinos que iam buscar os
animais no Rio Grande para trazê-los até a feira de Sorocaba, em
São Paulo, com destino às Minas Gerais, não eram obscuros
boiadeiros. Constituíam verdadeira aristocracia a cavalo em
trânsito, chefes das mais distintas e poderosas famílias de
Curitiba, senhores, aqui, de vastas pastagens, onde o gado engordava,
nas invernadas, antes de seguir para o norte. Alguns ganharam títulos
de nobreza do Império:
“Dos seis titulares
paranaenses do segundo reinado, quatro eram tropeiros: o visconde de
Guarapuava, a viscondessa de Tibagi (mulher do Barão de Tibagi, que
era tropeiro), o Barão de Guaraúna e o Barão de Montecarmelo. Os
dois restantes, o Barão do Cerro Azul e o Visconde de Nácar eram do
mate.” (Davi Carneiro)
Riachuelo – À
época da Curitiba do tropeirismo, um dos limites da vila, que eram
os seguintes: Rua Riachuelo, Fazenda do Barigui, Rua Tibagi,
imediações da atual Ponte Preta, Fazenda do Cajuru, Campo da Bulha,
Tindicoera, Fazenda do Uberaba, Botiatuva, Juvevê.
Portão – Um
dos principais bairros de Curitiba deve seu nome a uma porteira para
a entrada do gado nos campos de engorda que, então, verdejavam
naquelas bandas.
Logo ali, a venda do
velho Romão regurgitava de todas as coisas úteis e agradáveis na
vida de um tropeiro. A começar, claro, por uma nutrida talagada de
cachaça, que é pra tira (sic) o pó da estrada, soltar a língua e
botar a valentia pra fora.
Choro de Rua –
Visão de Curitiba de 1853, ano da emancipação política do Paraná;
a seguir, o nome das ruas, praças, travessas, bicas e becos da
Curitiba de então, ao lados das denominações atuais dos mesmos
lugares:
Bica do Campo – Praça
19 de Dezembro
Rua do Comércio –
Marchal Deodoro
Rua da Entrada –
Emiliano Perneta
Rua da Carioca –
Emiliano Perneta
Rua da Ladeira – Dr.
Murici
Rua das Flores – 15
de Novembro, Rua das Flores
Rua Nova do Saldanha –
Carlos Cavalcante
Rua do Fogo – São
Francisco
Rua da Cadeia – Praça
Municipal
Rua Alegre – Cândido
Leão
Rua do Louro – Barão
do Serro Azul
Rua Fechada – José
Bonifácio
Rua do Rosário – Rua
do Rosário
Travessa da Ordem –
Galeria Júlio Moreira
Travessa da Casinha –
Saldanha Marinho
Beco do Inferno –
Beco do Marumbi
Pátio da Matriz –
Praça Tiradentes
Largo da Ponte –
Praça Zacarias
Monte - “À
noite vagavam pelo Pátio da Matriz, em plena treva, as cabras, bois
e cavalos – costume esse que só foi derrogado em 1875, na
administração do Dr. Lamenha Lins, e isto por ter este distinto
Presidente, ao atravessar o lardo da igreja, caído em grave risco
por cima de uma vaca, que se achava, com muito conforto, mas pouca
reverência, deitada no caminho.” (Rodrigo Júnior)
Engenho Velho –
Gente dos anos 60 ainda pegou, em seus mais verdes anos, velhos
engenhos abandonados, sobreviventes dos tempo em que o mate fazia a
riqueza da terra. As sérias fábricas de outrora tinham se
transformado em parque de brincadeiras da criançada, cheias de
esconderijos bons pra brincar de esconde-esconde, nos 31 segundos do
31. Malassombrados, esses lugares. Testemunho fidedignos falavam do
homem verde, que vagava por ali, verde como eram verdes os
trabalhadores da erva-mate, vestidos de roupa verde e cobertos da
verde poeira que se despendia da moenda e pairava no local.
Um dia, o Nacib,
proprietário do terreno de umas dessas ruínas, contou para a
garotada que brincava lá, que tinha visto, passeando no lugar, uma
mulher toda de branco, que branco é a cor preferida de visagens e
assombrações.
A garotada acreditou.
Mas continuou brincando de 31.
Serraria –
Depois do mate, a madeira. E haja floresta para tanta serraria.
Peroba. Bracatinga. Imbúia (sic). Araribá. Caviúna. Catiguá.
Copaíba. E as árvores viraram pau para toda obra, casas, móveis,
objetos de uso. Não é por acaso que o símbolo do Paraná é o
pinheiro, nome de árvore, nome de madeira.
Casa Costa Pereira
– Ver Casa Costa Pacheco.
Casa Costa Pacheco
– Ver Casa Costa Pereira. Nome de duas firmas comerciais do início
do século XX, cujos vendedores ambulante iam, de porta em porta,
oferecendo, a toda Curitiba, as últimas novidades do mercado, malas
cheias de tecidos, bijuterias, quinquilharias, perfumes e todas as
outras coisas indispensáveis a uma vida civilizada.
Ilha do Mel –
O filé mignon das ilhas do litoral paranaense.
Grêmio Buquê –
Associação da Curitiba de antanho, que congregava senhoras e
senhoritas da nossa melhor sociedade, em volta de saraus, chás
beneficentes e outras diversões inofensivas. Rival do Grêmio das
Violetas.
PRB2 – Bastou
nascer no Rio de Janeiro a Roquete Pinto, a primeira estação de
rádio do Brasil, para Curitiba imitar. E assim nasceu a nossa PRB2,
a segunda do país em data.
Garcez – O
primeiro grande edifício de Curitiba. Durante anos, seu ponto mais
alto.
Mercês –
Bairro de Curitiba, a oeste, onde toca o sino da Igreja dos
Capuchinhos e o sol de põe.
Matinhos – Um
dos primeiros balneários do litoras paranaense.
Rua XV – Nome
de gala que a tradicional Rua das Flores enverga em ocasiões
civico-festivas.
Tindobre Panhe -
“Bom dia, senhor”, em polonês. Inúmeras expressões das várias
etnias que compõem o Paraná são, em Curitiba, de domínio público.
Qualquer curitibano sabe que “arigatô” é “obrigado” em
japonês.
South –
Empresa de energia elétrica da Curitiba de outrora, concessionária
do serviço de transporte por bondes elétricos.
Universidade –
Curitiba teve a primeira Universidade do Brasil, em data: 1912.
Ahu – Célebre
cassino de Curitiba, onde fortunas se fizeram e se desfizeram da
noite para o dia.
CDF – Sigla
indicando que o designado tem uma parte muito sensível do corpo
constituída de ferro. Qualifica estudantes ou profissionais muito
aferrados aos seus deveres.
Raia Bidê –
Com o nome de raia, pipa ou pandorga, dependendo da região, o mais
aéreo dos brinquedos infantis é sempre um desejo de ir com o vento,
nesta Curitiba de tantos ventos e tantas raias bidê aos quatro
ventos.
Genésio –
“Band-leader” de uma das mais dançadas orquestras de Curitiba,
responsável por inúmeras tardes dançantes, noites românticas,
inícios de namoros e inesquecíveis momentos de enlevo e
arrebatamento.
Violeta –
Cadela e co-adjuvante do palhaço Chic-Chic, que no Circo Queirolo
encantou duas gerações de curitibanos. O número do genial palhaço
dependia, em grande medida, desta cadela de pano que Chic-Chic
manipulava como um instrumento do seu grande ofício. Fazendo-a
pular. Conversar com as mocinhas bonitas da primeira fila, não raro
com implicações ambiguamente eróticas. Ou, simplesmente, pontuar a
ação daquele que foi o nosso Piolim.
Queirolo –
Dinastia de artistas circenses. Uruguaios de origem, os Queirolo
marcaram época, em Curitiba, com seu circo, onde brilhou o
extraordinário Chic-Chic, o maior palhaço que esta cidade já riu.
Irmão de Chic-Chic, o talentoso Chicharrão, que terminou seus dias
como mordomo de Bibi Ferreira.
A família deu ainda
vários acrobatas, contorcionistas e estrelas de picadeiro.
Passeio –
Criado pelo comendador Fontana, no charco do Rio Belém; misto de
zoo, horto botânico e oásis de lazeres domingueiros, o Passeio
Público vem sendo o sonho da criançada curitibana, há gerações.
Quer pipoca, tem. Quer
algodão doce, também. Bexiga. Amendoim. Duvidar, tem até fotógrafo
lambe-lambe.
Lá no meio, o Pasquale
se desdobra em chopes gelados, feijoadas e barreados aos sábados.
Nireu Teixeira –
O último dos boêmios românticos da cidade.
Jornalista e virtuose
da caixinha de fósforo e do bom papo, Nireu foi fundador do Bloco
Vira-Lata, uma página do carnaval curitibano.
Campo de Santana
– Ponto de partida da experiência “rurbana”, em Curitiba.