terça-feira, 12 de novembro de 2013

Como Era Boa a Nossa Banda

COMO ERA BOA A NOSSA BANDA1

Paulo Leminski

O mais velho da banda era o baterista que tinha um nome complicado, alguma coisa como Xerox, Clets, Ptyx, uma coisa dessas.

Já tinha passado por tudo.

Era um dos sobreviventes do Festival da Ilha de Wight, onde quem não foi eletrocutado pelos barridos elefantinos da guitarra de Jimmi Hendrix, afundou numa lâmina de ketchup e cocaína ou virou personagem do livro do Bivar.

Tinha voltado para a América do Sul numa leva de ex-exilados, cada um com seu livro de memórias guerrilheiras debaixo do braço, hoje, todos candidatos a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, a firma brasileira de móveis que fabrica as cadeiras mais duráveis, tão duráveis que alguns dizem que são imortais.

Xerox já chegava com uma larga bagagem musical na mochila. Tinha tocado berimbau na gravação do primeiro compacto do grupo inglês The Crazy Doctors and The Moneymakers, que fez muito sucesso naquela semana na Holanda, onde parece que qualquer coisa faz sucesso.

Tinha, além disso, substituído o baixista dos Debil Mentals of the Outer-World, no show em Chicago, onde foi aplaudido de pé por todas as oito pessoas presentes, entre as quais se destacava a mãe do vocalista, dona Shelley Cockintheass, entusiasmada como sempre com os agudos do Júnior.

Às vezes, a gente tinha a impressão que Xerox já tinha estado em toda a parte. E ao mesmo tempo, o que é mais grave.

Nos deu toques incríveis. Foi com ele que aprendemos a diferença entre um saxofone e uma bicicleta. Quem jamais preparou um frango xadrez como ele? Sem ele, não teríamos chegado a este lugar no “hit-parade”.

Os baixistas são gente diferente. Jóquei era assim, soturno, solene, sóbrio, como todos os baixistas. Acho que é influência daquele tum-tum profundo do baixo, aquilo muda as pessoas, pelo menos, os baixistas. O problema é que era quem mais bebia na banda. Tinha bolado um baixo oco, com espaço para encher de vodca. Uma noite, numa gravação com os Motherfuckers, estava tão bêbado que passou a noite inteira tocando uma só nota, e foi aplaudido como se fosse Jobim tocando o samba de uma nota só.

Barato mesmo era nosso guitarrista. Guitarrista, vocês sabem, são a coqueluche das menininhas. Ele fica ali com a guitarra fazendo umas coisas que parecem outras coisas, e elas adoram. Nosso guitarrista era o máximo, o gato mais lindo que jamais babou sobre as cordas de uma “fender”. Nunca tinha tocado guitarra. Só soubemos disso depois do estouro do nosso segundo compacto. Aí, já era tarde. O compacto já tinha vendido 100.000 cópias.

O vocal, às vezes, ficava por conta do guitarrista. Às vezes, por conta de todos. Às vezes por conta do próprio público, que cantava nossas canções, enquanto procurávamos nos entender no palco. Às vezes a gente conseguia.

Além do baterista, tínhamos também um percussionista, “boleteiro” como ele só. Justiça seja feita, nunca vi ninguém bater igual a ele. Não contente em bater em bongôs, atabaques e pandeiros, batia na mulher, na mulher dele, na mulher dos outros, o tipo do cara que batia em todo o mundo. Um dia ele bateu tanto num espelho, na hora que acordou, que ficou com as mãos inutilizadas para sempre. Mas, enfim, o mundo está cheio de percussionistas. E não tardamos a descobrir Mongol, o verdugo das baquetas, que ficou conosco até o fim.

Robby não tocava nada. Em compensação era na casa da mãe dele que a gente guardava os instrumentos. Assim, o nome dele aparece na ficha técnica dos nossos três compactos.

Que tempos pessoal!

Só a gente sabia. Mas era a maior banda que jamais houve no mundo.

NOTAS (Foi publicado também como anexo da dissertação de mestrado "Leminski lírico: um estudo sobre as canções do poeta Paulo", de onde foram retiradas as notas. Disponível em: http://tede.ufsc.br/teses/PLIT0561-D.pdf):

1 Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, em 23 out. 1985. Texto retrospectivo que é, curiosamente foi republicado no jornal Folha de Londrina, em 07 de abril de 1989, dois meses antes da morte de Leminski.

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