Com Jorge Mautner (foto: Orlando Azevedo) |
Paulo Leminski não
sabia cantar. Desafinava. Era desarmonioso. Mas a música era uma de
suas paixões e com ela ganhou visibilidade nas gravações de
Caetano, Paulinho Boca de Cantor, Blindagem, Angela Maria, Ney
Matogrosso, Zizi Possi, José Miguel Wisnik, Itamar, Suzana Salles,
Guilherme Arantes, Carlos Careqa, Cor do Som, Moraes Moreira e a
lista segue.
Foi com Gil e Caetano,
aliás, que Curitiba descobriu, ou admirou Paulo com os olhos.
Gilberto Gil, no entanto, nunca gravou música do poeta curitibano. O
que pensa em fazer, até mesmo para corrigir um erro. [1] No livro
todas as letras, de Carlos Renó, lançado pela cia das letras,
aparece a composição “Oxalá”, como sendo de Gil. Na verdade, a
letra é de Paulo com música de Moraes Moreira.
A verve musical do
autor de “Catatau” começou com seu irmão Pedro [2], que se
suicidou em 18 de julho de 1986. Com pedro aprendeu a tocar violão,
fez parcerias em várias canções e criou o trio Duas Pauladas e uma
Pedrada formado por Paulo Leminski e Paulo Vítola [3] (as duas
pauladas) e Pedro (a pedrada).
Para o poeta Décio
Pignatari, a face musical de Paulo é mera decadência poética. Uma
espécie de deslumbramento que aos concretistas soa como traição à
imagem do garotão de dezoito anos que foi ter com eles em Belo
Horizonte, na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada em
agosto de 1963.
Paulo Leminski,
contudo, gostava tanto de música que adotou o compositor Lápis
(Palminor Ferreira, falecido há 21 anos) como primo. E assumia o
parentesco com tanta honestidade que só agora, com a pesquisa do
jornalista Toninho Martins Vaz, soube-se da ausência de qualquer
parentesco entre eles. Paulo depois ficou primo de Alexandre
“Grafite” Ferreira, filho de lápis e também compositor, hoje
morando na Bélgica. No show melhor produzido de grafite, Paulo
sentava-se na primeira fileira do teatro e sorria, orgulhoso, quando
Grafite o chamava de primo. Havia um certo brilho nos olhos daquele
expectador e um sorriso meio maroto escondido atrás do bigode, que
só agora se compreende a razão. Paulo sabia que não eram primos,
mas adorava a ideia de sê-lo.
Primo mesmo, da raiz da
negritude de Paulo, é o compositor e maestro Waltel Branco. Assim,
supunha-se que Waltel era primo de Lápis. Mas até mesmo o maestro
sustentava a mística, até que para um livro biográfico a verdade
precisava ser estabelecida. No entanto, escolhemos amigos, compadres
e manos pela vida, o poeta também fez essas escolhas e, original,
também escolheu os primos que quis.
A chamada “Casa
Branca”, um reduto nas Mercês artístico-residência onde
transitou e morou músicos do conjunto A Chave, a artista Marília
Guasque, o diretor de arte Toninho Stinghen, que editava textos de
Paulo nas revistas da Grafipar (os dois também vivendo seus
“perhapiness” em outros astrais, era um dos espaço em que Paulo
sentia-se à vontade para mostrar seus dotes musicais). Depois, ao
conhecer o artista Rettamozzo, também chegado ao pop, passou a
ensaiar em sua residência, às vezes com músicos do Blindagem.
Depois de “descoberto”
por Caetano, passou a receber em sua casa, aquela de madeira na Cruz
do Pilarzinho, uma penca de cantores e compositores. Sabe-se lá se
sua centelha pop não contaminou Arnaldo Antunes? [4] E seu prazer
pela palavra não levou Caetano a escrever um livro?
O trânsito de Paulo
Leminski pela palavra e pela música, de qualquer forma, é uma
constância muito forte. Na primeira edição do Perhapiness, que em
agosto fará 10 anos, a fase musical do poeta não foi esquecida e um
inesquecível show inaugurou o espaço que leva seu nome, Pedreira
Paulo Leminski.
No decorrer dos anos, o
Perhapiness (este neologismo foi criado por Paulo) deu de esquecer a
musicalidade. Falo, pois, com Margarita Sansone, presidente da
fundação cultural de Curitiba, entidade que criou o evento em
homenagem ao poeta. Como será este ano de dez anos? Nem falo de
música na pergunta, não quero dizer reduzidos para não ofender, no
campo elitista. Mas o nosso Paulo Leminski soube fazer uma ponte
entre duas facetas, a do intelectual e a do músico popular e
conseguiu surpreender nas duas.
Mas o Perhapiness deste
agosto irá contemplar as duas faces? “O carinho por Paulo Leminski
é grande, mas vamos fazer a homenagem dentro dos limites da nossa
pobreza. Pensamos em usar o Teatro Paiol para um espetáculo de
música e declamação, com a participação interativa da plateia”.
A Pedreira Paulo Leminski, que comporta até 40 mil pessoas (o Paiol
é uma espécie de teatro de bolso), requer, conta Margarita Sansone,
participação da iniciativa privada para promover um bom espetáculo.
Portanto, a homenagem à
face pop do poeta vive dias incertos.
NOTAS (nossas):
[1] Na verdade, Gil
chegou a gravar Oxalá, mas a mesmo não foi lançada à
época, em 1982, por conta de reformulações do disco que estava
para lançar. Em 2002, essa gravação veio à publico, no disco To
Be Alive Is Good (Anos 80).
[2] De fato, a
experiência com a música começou, para Leminski, já na sua
infância, com o canto gregoriano, no tempo em que foi interno do
Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Mais tarde, ele atribuiria o
bom ornato das suas linhas melódicas a este período.
[3] Corrigindo, o trio
era formado por Paulo Leminski, Paulo Bahr (“Psico”) e Pedro
Leminski.
[4] Vale a pena dar uma
olhada neste depoimento, das palavras do próprio Arnaldo, a respeito da
influência de Leminski sobre a sua obra:
https://www.youtube.com/watch?v=ix4Mho07AkM&feature=relmfu
https://www.youtube.com/watch?v=ix4Mho07AkM&feature=relmfu
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