domingo, 6 de abril de 2014

O Poeta da Face Pop - O Estado do Paraná, 06/06/1999

Com Jorge Mautner (foto: Orlando Azevedo)
Paulo Leminski não sabia cantar. Desafinava. Era desarmonioso. Mas a música era uma de suas paixões e com ela ganhou visibilidade nas gravações de Caetano, Paulinho Boca de Cantor, Blindagem, Angela Maria, Ney Matogrosso, Zizi Possi, José Miguel Wisnik, Itamar, Suzana Salles, Guilherme Arantes, Carlos Careqa, Cor do Som, Moraes Moreira e a lista segue.
Foi com Gil e Caetano, aliás, que Curitiba descobriu, ou admirou Paulo com os olhos. Gilberto Gil, no entanto, nunca gravou música do poeta curitibano. O que pensa em fazer, até mesmo para corrigir um erro. [1] No livro todas as letras, de Carlos Renó, lançado pela cia das letras, aparece a composição “Oxalá”, como sendo de Gil. Na verdade, a letra é de Paulo com música de Moraes Moreira.
A verve musical do autor de “Catatau” começou com seu irmão Pedro [2], que se suicidou em 18 de julho de 1986. Com pedro aprendeu a tocar violão, fez parcerias em várias canções e criou o trio Duas Pauladas e uma Pedrada formado por Paulo Leminski e Paulo Vítola [3] (as duas pauladas) e Pedro (a pedrada).
Para o poeta Décio Pignatari, a face musical de Paulo é mera decadência poética. Uma espécie de deslumbramento que aos concretistas soa como traição à imagem do garotão de dezoito anos que foi ter com eles em Belo Horizonte, na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada em agosto de 1963.
Paulo Leminski, contudo, gostava tanto de música que adotou o compositor Lápis (Palminor Ferreira, falecido há 21 anos) como primo. E assumia o parentesco com tanta honestidade que só agora, com a pesquisa do jornalista Toninho Martins Vaz, soube-se da ausência de qualquer parentesco entre eles. Paulo depois ficou primo de Alexandre “Grafite” Ferreira, filho de lápis e também compositor, hoje morando na Bélgica. No show melhor produzido de grafite, Paulo sentava-se na primeira fileira do teatro e sorria, orgulhoso, quando Grafite o chamava de primo. Havia um certo brilho nos olhos daquele expectador e um sorriso meio maroto escondido atrás do bigode, que só agora se compreende a razão. Paulo sabia que não eram primos, mas adorava a ideia de sê-lo.
Primo mesmo, da raiz da negritude de Paulo, é o compositor e maestro Waltel Branco. Assim, supunha-se que Waltel era primo de Lápis. Mas até mesmo o maestro sustentava a mística, até que para um livro biográfico a verdade precisava ser estabelecida. No entanto, escolhemos amigos, compadres e manos pela vida, o poeta também fez essas escolhas e, original, também escolheu os primos que quis.
A chamada “Casa Branca”, um reduto nas Mercês artístico-residência onde transitou e morou músicos do conjunto A Chave, a artista Marília Guasque, o diretor de arte Toninho Stinghen, que editava textos de Paulo nas revistas da Grafipar (os dois também vivendo seus “perhapiness” em outros astrais, era um dos espaço em que Paulo sentia-se à vontade para mostrar seus dotes musicais). Depois, ao conhecer o artista Rettamozzo, também chegado ao pop, passou a ensaiar em sua residência, às vezes com músicos do Blindagem.
Depois de “descoberto” por Caetano, passou a receber em sua casa, aquela de madeira na Cruz do Pilarzinho, uma penca de cantores e compositores. Sabe-se lá se sua centelha pop não contaminou Arnaldo Antunes? [4] E seu prazer pela palavra não levou Caetano a escrever um livro?
O trânsito de Paulo Leminski pela palavra e pela música, de qualquer forma, é uma constância muito forte. Na primeira edição do Perhapiness, que em agosto fará 10 anos, a fase musical do poeta não foi esquecida e um inesquecível show inaugurou o espaço que leva seu nome, Pedreira Paulo Leminski.
No decorrer dos anos, o Perhapiness (este neologismo foi criado por Paulo) deu de esquecer a musicalidade. Falo, pois, com Margarita Sansone, presidente da fundação cultural de Curitiba, entidade que criou o evento em homenagem ao poeta. Como será este ano de dez anos? Nem falo de música na pergunta, não quero dizer reduzidos para não ofender, no campo elitista. Mas o nosso Paulo Leminski soube fazer uma ponte entre duas facetas, a do intelectual e a do músico popular e conseguiu surpreender nas duas.
Mas o Perhapiness deste agosto irá contemplar as duas faces? “O carinho por Paulo Leminski é grande, mas vamos fazer a homenagem dentro dos limites da nossa pobreza. Pensamos em usar o Teatro Paiol para um espetáculo de música e declamação, com a participação interativa da plateia”. A Pedreira Paulo Leminski, que comporta até 40 mil pessoas (o Paiol é uma espécie de teatro de bolso), requer, conta Margarita Sansone, participação da iniciativa privada para promover um bom espetáculo.
Portanto, a homenagem à face pop do poeta vive dias incertos.

NOTAS (nossas):

[1] Na verdade, Gil chegou a gravar Oxalá, mas a mesmo não foi lançada à época, em 1982, por conta de reformulações do disco que estava para lançar. Em 2002, essa gravação veio à publico, no disco To Be Alive Is Good (Anos 80).
[2] De fato, a experiência com a música começou, para Leminski, já na sua infância, com o canto gregoriano, no tempo em que foi interno do Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Mais tarde, ele atribuiria o bom ornato das suas linhas melódicas a este período.
[3] Corrigindo, o trio era formado por Paulo Leminski, Paulo Bahr (“Psico”) e Pedro Leminski.
[4] Vale a pena dar uma olhada neste depoimento, das palavras do próprio Arnaldo, a respeito da influência de Leminski sobre a sua obra:
https://www.youtube.com/watch?v=ix4Mho07AkM&feature=relmfu

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